segunda-feira, 1 de julho de 2013

Reprodutor

Hyphen - 1991 - Jenny Saville



















A Amália canta nos caracóis da minha cabeça. Os que querem ser comidos pela tua boca. A Amália, do meu sorriso, treme perante camiões e camionistas. A Amália que não entendo. E entendo. E volto a não entender. É tua. Ou será. É tua. Porque não pode escolher.


Paramos e não lembro. Que lembras tu que eu não saiba já? Há um silêncio entre nós. Bom. Pesado. Quente. Um silêncio apertado. Escuro. Sinuoso, por vezes. Um silêncio profundo. De olhos castanhos e lábios que lentamente se movem como vento nos cabelos. Uma mão de homem. Uma mão de rapaz. Um filho. Um pai. Um homem. Um companheiro-amante-amigo-cúmplice-e-tudo-o-mais-que-quisermos-inventar.
 
As pernas magritas enfiadas nuns calções às riscas. Os joelhos magoados de subir e descer o velho choupo do quintal. Os dedos de unhas roídas agarram um boné coçado que calmamente enfia na cabeça. Com passo rápido afasta as fitas da porta da entrada e dirige-se à mulher sentada numa cadeira.

- Mãe...
- Sim, filho?
- A mãe vai morrer?
- Disparate...
- Mas vai? Vai ou não vai morrer?
- Oh filho...
- Preciso de saber se a mãe vai morrer. Como o avô.
- Oh filho... todos nós morremos. Mas porque perguntas isso? Que andas tu a magicar?
- Nada mãe. Nada. É só para saber.
- Mas saber porquê?
- Porque não quero que a mãe parta sem lhe contar...
- Mas contar o quê?
- Contar que quando subo ao choupo e olho no céu me sinto grande. Mais grande que no chão. Aqui. Que quando a mãe me chama para regressar a casa eu não gosto, mas que naquele dia que foi à vila e não havia ninguém para me chamar eu fiquei triste. Que o camião que me deu é fraquinho, mas que eu o reforcei com um arame como o Tio João disse para eu fazer. E que fiquei contente por ele ter ficado bom. Que não gosto que a mãe fale de mim às velhas da aldeia e que gosto muito de vê-la com o vestido azul clarinho. E queria pedir-lhe para não me obrigar a vestir as calças verdes. Picam... e pedir-lhe para que não morra já porque vou sentir a sua falta e... quem me dá de comer?
- Cala-te rapaz. Que tristeza de conversa. Vai lavar as mãos.
- Tabém. Mas amanhã tenho mais. Tenho mais para lhe contar. Sabia que a figueira do Ti Luís já está carregadinha de figos? E são melhores que os nossos. Porque será? Sabe, mãe? Porque será?

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