Sigga Bjorg |
Ainda resta areia nos sapatos que não guardei e pousei a um canto. A roupa já foi lavada e engomada. Alguma voltada a usar. Outra guardada numa gaveta ou armário. Limpa. Sem cheiros. Sem manchas ou nódoas. A escova dos dentes está no copo e os livros arrumados. A esferográfica na gaveta. O shampoo na banheira. E as malas ao lado da cómoda. Voltei. Regressei. Ou vim. Cheguei.
Há um amor escondido que teima em revelar-se. E um sorriso de criança que me entristeceu. Não porque seja triste. Não porque não seja bela. Harmonioso. Provocador de ternura. E cutchi-cutchi. Porque... Porque há prazeres que sempre me neguei. Aos trinta aprendi o sol no corpo. Aos vinte aprendi o beijo. Aos quarenta não sei o que aprenda. Mas apetece-me aprender tudo. Aprender como da primeira. Sem saber. Soletrando.
Aceitar que corro numa direcção. E que não vejo. Aceitar que sou ridícula quando manipulo. E controlo. Nada. E... absurda, completamente despropositada nesta tentativa vã de gerir o ingerível.
Tento escrever. Escrever sobre mulheres. Crianças. Velhos. Escrever sobre coelhos, Com dois dentes. E cabras de cinco patas. Tento descrever as cores das faces dos homens anónimos. Escrever sobre a senhora que para na esquina. Posso chamá-la Eulália. Ou Maria. Escrever sobre o homem que dorme a meu lado. De pernas compridas e enroladas em mim. Tento escrever e somente...
Tento escrever sobre amor. Profundo. Na impossibilidade de te dizer que te amo. Que me quero perder. Que a vertigem é grande. Que não quero saber e que não vejo saída. Que eu sou pobre e tu és rico. Ou, tu sapo e eu princesa. Que só nas histórias infantis é para todo o sempre.
E foi. Um texto que se foi. Que deixou de ser. Mas já está escrito. É lançar o pião. Ou roda. Ou não roda. E foi.